19 de jul. de 2015

O Armário


Ummm… olá. Eu acho que pode-se dizer que estou escrevendo isso como um conselho na forma de conto, pra quem futuramente planeja estudar no exterior. Primeiramente, eu não pretendo te desencorajar, eu apenas quero te deixar avisado, pra que algo assim não aconteça com você também.

Acho que eu deveria me explicar melhor. No verão passado eu fui selecionada para participar de um programa de intercâmbio, que seria realizado em Roma e duraria alguns meses. Como qualquer pessoa, eu fiquei eufórica. Nunca estive fora do país antes, então isso seria uma grande aventura pra mim.

Nas semanas seguintes, eu alegremente amontoei tudo e qualquer coisa que coubesse dentro da minha mala (tenho que admitir que eu tinha muito mais bagagem do que o necessário para essa viagem). Eu estava nervosa quanto a deixar os meus pais pela primeira vez, mas também estava empolgada pela recém descoberta liberdade que eu teria na Europa. Antes que eu me desse conta, meus pais já tinham me deixado no aeroporto e eu estava embarcando em um vôo de 19 horas para Roma.

Apesar de ser longo e tedioso, o vôo não foi tão mal. Quando saí do aeroporto, fui recepcionado pelo supervisor do programa e vários outros alunos que estudariam comigo. Eles tinham mais ou menos a mesma idade e pareciam tão ansiosos quanto eu. Dali nós fomos para a reunião obrigatória de orientação, e em seguida fomos pegar as chaves dos nossos apartamentos.

Nos meses que antecederam a viagem, nós fomos responsáveis por conhecer nossos colegas de quarto, bem como encontrar um lugar pra ficar que todos pudessem pagar. Eu iria ficar com três garotas. Todas elas eram bem legais e se esforçaram pra me fazer sentir bem-vinda, apesar de eu achar bem difícil se aproximar de um grupo já formado de amigas. Mas apesar da minha ligeira alienação, parecia que as coisas iriam correr bem. Todas tínhamos mais ou menos as mesmas condições financeiras, e com isso eu quero dizer que nenhuma de nós tinha muito dinheiro pra gastar. Por causa disso, todas estávamos no mesmo barco, pesquisando o apartamento mais barato que podíamos encontrar.

Depois de vários dias de pesquisa, cruzamos com um apartamento antigo, localizado sobre o Campo di Fiori. Era um local nobre e nós não conseguíamos acreditar que ainda estava disponível, muito menos por um preço incrivelmente baixo. Isso imediatamente me deixou apreensiva. O lugar era enorme, e mesmo assim o aluguel era mais barato do que o de apartamentos muito menores em partes muito menos desejadas da cidade. Entretanto, razão nunca funciona muito bem contra um grupo de garotas empolgadas. Elas já tinham tomado sua decisão e se eu quisesse ficar com elas, essa era minha única opção.

Cada uma de nós recebeu seu suas próprias chaves, assim como um mapa. Devido à sua localização privilegiada, não demorou muito pra chegarmos lá. O Campo era magnífico. Durante o dia, vibrava com um mercado lotado, e durante a noite ficava cheio de artistas de rua. Todos os apartamentos ao redor pareciam ser antigos, então o nosso não se destacava tanto. Depois de circular a praça uma três ou quatro vezes, nós finalmente notamos um número pregado em uma porta maciça de madeira. Essa seria nossa casa pelos próximos três meses.

Eu briguei com as chaves por um momento, até que houve um estalo na velha e pesada fechadura. A porta grossa se abriu com um rangido. Então nós vimos uma grande escada em espiral. Nós olhamos umas para as outras e demos um suspiro. Nenhuma de nós tinha se ligado que o prédio havia sido construído antes dos elevadores se tornarem comuns. Então, três lances de escada e muitas reclamações depois, nós quatro, com a bagagem na mão, paramos do lado de fora da nossa porta. Novamente eu peguei meu molho de chaves e briguei com a fechadura teimosa. Assim que a porta se abriu, houve um estouro de garotas tentando pegar os melhores quartos. Era um apartamento de três quartos, então duas de nós teriam que dividir. Particularmente, eu não me importava, então as deixei batalhando sozinhas. Quando a poeira baixou, descobri que eu dividiria um quarto com uma garoa chamada Stephanie. Pra mim estava ótimo. Stephanie era legal e também bastante quieta, minha característica preferida em um colega de quarto.

No decorrer do dia, nos exploramos nossa nova casa. Havia dois banheiros, uma cozinha completa e uma sala de estar com uma TV antiga. Mais uma vez eu comecei e me sentir desconfortável. Como é que nós tínhamos conseguido tudo isso por um preço tão pequeno? Mas antes que eu pudesse concluir a linha de raciocínio, fui interrompido por uma seqüência de gritos estridentes. Minha primeira reação foi entrar em pânico, mas logo percebi que eram gritos de empolgação. Na outra extremidade do apartamento, perto da porta de entrada, aparentemente havia uma outra parte do flat que não havíamos notado. Eu segui o barulho até um corredor longo e escuro. Ao final dele, atrás do grupo de mulheres gritando, havia uma máquina de lavar e secadora. E para aqueles pensando "e o que isso tem de mais?", eu devo explicar que essas coisas são extremamente raras em Roma. Geralmente, estudantes de intercâmbio tem que lavar as próprias roupas na mão antes de pendurá-las pra secar. O que um item de luxo como esse estava fazendo em um apartamento tão barato?

Assim que os gritos pararam, eu em recompus e as garotas notaram uma porta adjacente à máquina de lavar. Atrás daquela porta havia um banheiro máster. Tinha uma sacada, uma banheira e até um bidê. As garotas imediatamente começaram a brigar para ver "de quem aquele banheiro seria". Eu realmente não via porque não podíamos dividir, mas pelo jeito cada uma delas queria ser a dona. No final das contas ele virou o meu banheiro. Stephanie usou o argumento de que, como ela e eu dividíamos um quarto e as outras tinham o seu próprio, seria justo que nós ficássemos com o banheiro máster. E tenho que admitir que a princípio eu estava meio que empolgada porque, no final das contas, era realmente um cômodo muito legal. No entanto, com o decorrer das semanas, eu comecei a ficar mais e mais desconfiada daquele banheiro. Eu não sei exatamente como traduzir em palavras. É como se, cada vez que eu entrasse naquele cômodo, podia sentir os olhos de algo me observando. E o fato de me sentir observada não era o que realmente me deixava nervosa. Era como se o que quer que estivesse me observando estivesse com raiva, como se não me quisesse ali, como se quisesse me ferir.

Eu comecei a fazer tudo que estava ao meu alcance para evitar o banheiro. De vez em quando eu pedia à Alyssa para usar o banheiro dela. Eu usava a desculpa de que isso era bem mais conveniente, pois o banheiro dela ficava perto do meu quarto, enquanto o outro ficava na outra ponta do longo corredor. Ela concordou alegremente quando eu disse que ela poderia usar o meu banheiro quando quisesse. Isso funcionou bem por um tempo. Pelos primeiros dois meses de viagem, eu fui capaz de evitar o banheiro sinistro. Foi só no último mês que tudo começou a ficar claro. Certa noite, enquanto eu me preparava pra escovar os dentes, vi que Alyssa já estava ocupando o banheiro. Eu ouvia risadinhas vindo do corredor, o que significava que tanto Stephanie quanto nossa outra colega de quarto já estavam no banheiro máster, se preparando para ir para a cama. Já que a união faz a força, eu decidi que não teria problema em usá-lo só hoje.

Então andei pelo corredor para me juntar às garotas e escovar os dentes. Elas estavam no meio de uma conversa quando Linsay, nossa outra colega de quarto, irrompeu em um ataque de riso tão violento que ela teve que se apoiar na parede pra não cair. Mas de repente ela deu um salto, como se tivesse levado um choque. Nós olhamos para o que deveria ter sido a causa de sua reação: na parede, mais ou menos na mesma altura da banheira, havia uma pequena porta. Nenhuma de nós havia notado porque ela era da mesma cor das paredes. O senhorio tinha até pintado por cima dela. Naturalmente, isso me deixou meio tensa. O que quer que fosse, o senhorio claramente não queria que ninguém abrisse. Mas, como de costume, jogando toda a cautela no lixo, Lindsay segurou a maçaneta e começou a puxar com toda a força. Stephanie estalou a língua em desaprovação entes de sacar um pequeno canivete. Ela começou a entalhar delicadamente todo o contorno da porta. Eu queria pedir para que ela parasse, mas eu realmente não tinha energia para discutir naquela noite. Então, em alguns minutos, Lindsay havia arreganhado a pequena porta com um estalo.

Era... um armário. Era bem grande. Meu palpite era de que cabiam pelo menos umas três ou quatro pessoas ali. Eu estava curiosa do porque o senhorio ter selado uma salinha vazia. Enquanto eu refletia sobre isso, Stephanie e Lindsay começara a chamar por Alisha para ver nosso novo achado. Ela estava tão empolgada quanto as outras no momento da descoberta. Entretanto, como era de se esperar, essa empolgação diminuiu com o tempo, e eventualmente o armarinho se transformou em depósito de toalhas e cestos de roupa.

Nos dias seguintes à abertura do armário, as coisas começaram a mudar de estranhas para completamente aterrorizantes. De uma forma bem irritante, Alisha tinha mudado sua rotina noturna pra que eu não usasse mais o banheiro dela à noite. Mais uma vez eu estava de volta no banheiro grande, o tempo todo com um sentimento cada vez pior de que eu estava sendo observada. Eu comecei a ficar tão paranóica quando entrava nesse banheiro, que eu literalmente pulava ao menor ruído do encanamento, e assim que eu terminava, corria o mais rápido que podia, atravessava o corredor e fechava a porta atrás de mim. Por alguma razão, parecia que eu era a única se sentindo assim. E eu também não podia contar para as garotas. Eu já estava deslocada o suficiente do jeito que estava. Então não contei pra ninguém e esperei que fosse embora logo.

Infelizmente não foi o caso. Em uma noite, enquanto eu me preparava pra ir pra cama, me vi sozinha no banheiro. Conforme eu parei na frente do espelho, escovando os dentes, algo fez os cabelos da minha nuca arrepiarem. Ouvi um pequeno farfalhar. Não do tipo que poderia ter sido causado pelas minhas colegas de quarto do outro lado do corredor. Qualquer barulho causado por elas teria que ser bem alto pra me alcançar no final do corredor. Não, esse ruído era bem fraco, o som de alguém cuidadosamente revirando coisas por aí. Eu fiquei em completo silêncio, com o terror me dominando. O suave farfalhar estava vindo de dentro do armário. Eu girei nos calcanhares e corri pelo corredor para chamar a atenção das minhas colegas de quarto. Eu tentei explicar o que tinha acontecido, mas só conseguia pronunciar murmúrios incoerentes.

Logo eu consegui gaguejar "A-Aguma coisa. Alguma coisa está dentro do armário."

Elas olharam pra mim com medo e confusão em seus olhos. Juntas, nós percorremos o corredor e entramos no banheiro. Eu quase desmaiei quando vi a pequena porta totalmente aberta. Apesar dessa descoberta me encher de terror, Alisha imediatamente apontou para a porta de correr da sacada. Quando saiu do banho, algumas horas atrás, Stephanie a deixou aberta para arejar o banheiro. Ela olhou pra fora e apontou para o telhado inclinado ao lado do nosso. Ali tinha um ninho de pombos ocupado por alguns pássaros. As garotas presumiram que um pombo deve ter entrado e havia sido o motivo da confusão. Todas elas riram bastante enquanto voltávamos para a sala de estar. Eu fingi esquecer isso, mas sabia que não tinha sido um pombo que causou o ruído de farfalhar. Primeiro, a porta ficou fechada o dia inteiro. Nenhuma de nós quis deixar aberta porque cheirava a mofo lá dentro. E segundo, a porta estava fechada quando eu saí do banheiro, tenho certeza, e mesmo assim estava escancarada quando voltei. Não venha me dizer que um pombo tem conhecimento e habilidade suficientes pra ser capaz de abrir e fechar uma porta por conta própria.

Foi a partir daí que eu comecei a suspeitar que havia algo terrivelmente errado com esse apartamento. Quando voltei pro meu quarto, peguei o meu notebook e liguei pra minha melhor amiga via Skype. Ela sempre foi metódica e cética, apesar de manter a mente aberta diante de coisas difíceis de explicar. Eu decidi que ela era a melhor pessoa com quem conversar sobre a minha situação. Como eu esperava, ela estava bastante descrente a princípio. Embora concordasse comigo que um pombo não poderia ter sido a fonte. Ela me perguntou se eu tinha alguma foto do sótão. Ela disse que se pudesse ver isso poderia fazê-la entender melhor, e possivelmente ajudá-la a elaborar uma explicação mais lógica.

Aliviada pela boa vontade dela em pelo menos me ouvir, eu peguei minha câmera e voltei pelo corredor sinistro. Quando cheguei, para o meu alívio, vi que a porta ainda estava fechada. Eu parei na frente dela por um momento, juntando coragem antes de finalmente abrir a porta. Apesar da desordem deixada pelas minhas colegas, estava vazio. Eu tirei uma foto rápida antes de fechar a porta mais uma vez e correr de volta para o meu quarto. Eu liguei imediatamente a câmera no computador e fiz o upload da foto. Quando finalmente abri a imagem, fiquei petrificada pelo que vi. No canto superior direito havia um rosto, mostrando os dentes pra mim. Meu corpo inteiro começou a tremer violentamente.

"Santo Deus. Aquela coisa está na nossa casa!" eu murmurei pra mim mesma.

O medo começou a me dominar. Alguém trancou o que quer que seja dentro daquele sótão, e nós o deixamos sair. Eu estava tão absorta em meu pânico que nem notei que minha colega de quarto voltou. Ela estava tão alegremente alheia ao perigo iminente, e mesmo que eu tentasse alertá-la ela não acreditaria em mim. Eu não tinha idéia do que deveria fazer, e finalmente decidi que iria lidar com isso de manhã. Não que fosse grande coisa, mas eu me sentia mais corajosa à luz do sol. Então eu tentei dormir um pouco. Pela primeira vez desde que fomos para esse lugar, eu tranquei a porta do quarto antes de ir para a cama. Stephanie me olhou com suspeita enquanto eu fazia isso, mas eu lhe disse brincando que Lindsay havia entrado no nosso quarto algumas noites antes e tinha roubado minha Nutella. Ela riu com vontade, balançando a cabeça antes de se arrumar pra dormir. Eu admito que o único motivo pelo qual eu consegui dormir foi a presença dela. Algo sobre não estar sozinho dá uma sensação de falsa segurança pras pessoasa.

Era cerca de duas da manhã quando o barulho me acordou. Eu sempre tive sono leve, então o ruído fraco foi suficiente pra me despertar. Parecia uma porta sendo escancarada do outro lado do apartamento, seguido de passos. Mas não eram passos normais. Eram bem mais rápidos. Era como se alguém estivesse correndo a toda velocidade desde o vestíbulo até a sala de estar, e pelo apartamento inteiro. Mas não eram passos pesados, do tipo que você esperaria de uma pessoa correndo. Eram bem suaves, quase sobrenaturais. Minha reação inicial foi presumir que era a Alisha ou a Lindsay, então eu levantei e coloquei o ouvido na parede atrás de mim, que separava o quarto da Lindsay do meu. Eu podia ouvir sua respiração, fraca mas constante. Ela estava claramente dormindo, não era ela. Então eu atravessei o quarto e coloquei o ouvido na parede de novo. O ronco da Alisha era bem audível, sem chance de ser ela. Eu lentamente fui ficando assustada enquanto me virava para verificar a última opção, se Stephanie tinha se levantado. Mas eu podia ver claramente sua silhueta se movendo lentamente pra cima e para baixo. Um arrepio percorreu minha espinha e eu quase gritei quando percebi que os passos pararam do lado de fora da minha porta. Mesmo com todas as luzes apagadas, eu podia ver nitidamente a sombra ameaçadora que penetrava pela fresta debaixo da porta.

Eu nem me atrevi a me mexer. O que quer que fosse, estava parado ali. Esperando. Para o meu horror, a maçaneta lentamente começou a se mexer. Gentilmente a princípio, mas depois mais violentamente, percebendo que estava trancada. O barulho eventualmente acordou minha colega de quarto. Ela se sentou, piscando em meio à confusão. Naquele instante o barulho da maçaneta parou. Ela me perguntou o que raios eu estava fazendo e se eu sabia que horas eram. Eu disse a ela que não havia sido eu! Eu disse que o que quer que tivesse aberto a porta do banheiro para o sótão no dia anterior tinha voltado. Mas ela só franziu a sobrancelha pra mim e disse que eu precisava dormir mais um pouco.

No dia seguinte eu marquei um horário com o supervisor do programa. Eu disse a ele que eu precisava voltar pra casa. Ele tentou me dizer que eu só estava com saudade de casa e que isso iria passar, mas eu insisti. Ele então cedeu e me deixou ligar para os meus pais. Eles ficaram confusos, mas compreenderam. Eles conseguiram mudar a data do meu vôo de volta para a manhã seguinte. Eu realmente queria ir embora dali naquele dia, mas compreendi que isso foi o mais cedo que eles conseguiram arrumar. Infelizmente isso significava que eu teria que passar mais uma noite no apartamento.

Quando voltei eu tentei explicar às outras o que tinha acontecido. Eu já estava indo embora dali e que estaria fora de perigo, mas ainda estava imensamente preocupada com a segurança delas. Mas ninguém me levou a sério, só olharam pra mim como se eu fosse louca. Elas não disseram nada, mas eu tinha certeza que elas achavam que eu estava indo pra casa por causa de algum surto nervoso ou algo assim.

Naquele ponto não havia nada que eu dissesse que pudesse convencê-las. Então naquela noite eu tranquei minha porta e, hesitante, fui pra cama. E bem na hora, mais uma vez perto das duas da manhã, fui acordada pelos passos rápidos correndo pelo apartamento. Eu podia ouvir a porta do banheiro abrindo com um rangido, seguida pela porta no fim do corredor. Os passos ficaram mais altos e mais rápidos conforme se moviam pelo apartamento. E finalmente, mais uma vez, eles pararam diante da minha porta. Eu podia ouvir uma respiração dessa vez, lenta e pesada. Eu me sentei, em pânico, e para o meu horror vi que Stephanie tinha se esquecido de trancar a porta atrás de si depois de levantar para usar o banheiro.

Ele estava bem na frente da minha porta e eu não sabia se teria tempo suficiente para saltar e tentar trancá-la, antes que a coisa percebesse que não havia nada bloqueando seu caminho. Eu hesitei por um momento longo demais, e na hora em que eu me endireitei na cama, a maçaneta começou lentamente a virar. Eu fiquei paralisada de terror conforme a porta abriu, revelando meu algoz. Ele ficou parado ameaçadoramente na soleira da porta, me encarando. Seus olhos saltavam um pouco das órbitas e tinham um brilho azulado bem fraco. Não parecia ter um nariz, somente fendas onde as narinas deveriam estar. Possuía os dentes de um homem, mas sem lábios, dando a impressão de um eterno sorriso. Sua pele branco-acinzentada estava esticada sobre sua face ossuda. O resto de sua forma esquelética era difícil de discernir, pois ele estava quase totalmente envolvido em trevas.

Após uma pausa momentânea no batente da porta, ele começou a vir na minha direção. Conforme ele se movia, seu corpo soltava rangidos. Eu me sentei ali, ainda petrificada de medo, até que ele chegou perto do pé da cama. Sua respiração pesada era ensurdecedora. Eu não sei como Stephanie conseguia dormir. O ar começou a ficar azedo e estagnado.

Com uma velocidade assustadora, ele saltou para o outro lado da cama, ficando a menos de meio metro de distância de mim. Eu engasguei com seu cheiro, semelhante a enxofre e carne podre. Lentamente, ele expôs uma das garras de sua mão deformada e a movimentou na minha direção. Quando ela estava a poucos centímetros de distância, finalmente recuperei minha voz. Eu gritei o mais alto que pude e ele se contraiu. Stephanie saltou da cama, visivelmente assustada. A criatura arqueou as costas e se apoiou nos quatro membros, fugindo com movimentos arrepiantes, que lembravam os de uma aranha. Um momento depois, Stephanie acendeu a luz e olhou pra mim, furiosa. Ela exigiu saber o que era toda aquela confusão. Eu contei a ela exatamente o que aconteceu, mas ela simplesmente me chamou de maluca.

O taxi chegou pra me buscar bem cedo na manhã seguinte. O sol nem tinha nascido ainda. Nenhuma das garotas veio se despedir, mas eu já esperava por isso. Depois de carregar minha bagagem no porta malas, eu sentei no banco de trás de velho táxi. Ele tinha passado pela praça e estava bem abaixo do meu apartamento. Quando eu me inclinei para olhar pela janela, eu podia ver onde era o meu quarto. Meu rosto se contorceu em uma mistura de pânico e preocupação. Ali, olhando pela minha velha janela, estava a criatura. Seus olhos, que não piscavam, fixados em mim e sua boca sem lábios curvada em um sorriso macabro. Antes que eu pudesse dizer alguma coisa, o táxi partiu, deixando a casa para trás.

Eu tentei avisá-las. Eu realmente tentei. Eu fiz tudo que estava ao meu alcance para avisá-las do perigo no qual estavam, mas nenhuma delas me deu ouvidos. Não havia maneira de eu ter impedido o que aconteceu depois de eu ter voltado pra casa. Veja, algumas semanas depois de eu ter retornado para os Estados Unidos, recebi um telefonema do diretor do programa. Ele me informou que um dia antes do programa terminar, as minhas três ex-companheiras de quarto haviam desaparecido. As autoridades não faziam idéia de há quanto tempo elas tinham realmente sumido, pois apenas recentemente deram por falta delas. O diretor do programa tinha ido verificar se estava tudo bem com elas, após elas terem faltado na reunião do programa. Eles presumiram que isso já faz pelo menos uma ou duas semanas, já que toda a comida no apartamento estava estragada. Não havia sinal de arrombamento e nenhum objeto de valor havia sido roubado.

O único detalhe relevante mencionado no relatório era que quando eles chegaram no local, havia uma portinha esquisita escancarada no banheiro. E quando eles se aproximaram, sentiram um odor muito forte vindo de alguma fonte não identificada. O relatório oficial as declarou como desaparecidas, mas eu sei que elas estão todas mortas.

Eu sei que sou incrivelmente sortuda de ter escapado com vida. Eu acho que a única razão de eu ainda estar viva é porque voei por milhares de quilômetros e atravessei um oceano. Apesar da falta de vontade delas em me ouvir, eu ainda sinto uma quantia inimaginável de culpa sobre o que aconteceu com aquelas garotas. É por isso que estou escrevendo essas coisas. Eu posso não ser capaz de voltar no tempo e salvá-las, mas talvez eu possa prevenir que isso aconteça com você. Por favor, POR FAVOR, preste atenção ao meu aviso. Se você algum dia tiver a oportunidade de fazer intercâmbio de estudos, mantenha isso em mente: se parecer bom demais pra ser verdade, provavelmente é mesmo. E O QUE QUER QUE VOCÊ FAÇA, não se hospede no terceiro andar do velho condomínio amarelo sobre o Campo di Fiori. Há algo naquele lugar. Algo maligno.

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